O BEMMINAS recebeu o texto que reproduzimos abaixo, de autoria da advogada Palowa Mendes, de Belo Horizonte, com oportuna e bem estruturada análise sobre a segurança pública dos grandes centros, como uma das maiores preocupações do país, mas sem que o estado brasileiro busque, também, melhorar suas obrigações na promoção da educação, da saúde, do emprego, da oferta de moradias dignas, sem que essas sejam unicamente um negócio dos grandes grupos da construção civil e do mercado de crédito. Na mesma análise, Palowa Mendes denuncia o descaso com o sistema penitenciário, que os estados brasileiros vêm transformando em concessões privadas, sem as discussões que poderíamos esperar de uma política pública que se dedicasse à reabilitação social desses presos. E seguimos valorizando os discursos de que “bandido bom é bandido morto”.
A pauta no Brasil é segurança pública
por Palowa Mendes
A plataforma “vitoriosa” nas eleições desde 2014, 2018 e 2022, com o slogan “Bandido bom é bandido morto”, elegeu vereadores, deputados, governadores e até um presidente, numa apologia à violência reativa, ao direito de se armar e de matar, baseada na teoria da tipificação do criminoso de Lombroso: pobre, preto e periférico.
A segurança pública nunca foi encarada como ciência nem como instrumento para garantir paz, preservar vidas e direitos, mas sim como uma instituição criada para defender a propriedade e os detentores do capital, usada como mecanismo de controle social para subjugar os mais vulneráveis — os descendentes dos escravizados — de forma violenta. Seu objetivo principal é evitar que as massas se rebelem, amparando-se nos códigos penal e civil, que têm como premissa: “A propriedade vale mais que a vida”. Como “solução”, promove-se a eliminação de pessoas por meio do encarceramento em massa, a degradação da dignidade humana e a redução de indivíduos à condição de “menos gente”, usando a violência como resposta para manter uma suposta “sociedade de bem”. Essa mesma sociedade explora a mão de obra barata daqueles do outro lado do abismo social, manipulando as estruturas para perpetuar a pobreza e assegurar uma reserva permanente de trabalhadores subalternos.
A violência no Brasil reflete uma acomodação cultural: crimes só ganham relevância quando atingem a classe média. Foi assim quando o sequestro de Abílio Diniz levou à inclusão do crime na lista de hediondos, ou quando o homicídio qualificado só recebeu essa classificação após a morte de Daniela Perez.
Não há, no Brasil, vontade política ou social para um plano real de Segurança Social — do qual a segurança pública é apenas uma política dentro de um espectro mais amplo. A direita e a ultradireita perpetuam o status quo, enquanto as correntes progressistas de esquerda, que sempre enfrentaram a violência das forças de segurança — seja em governos de exceção, seja na defesa dos direitos da população pobre e trabalhadora —, ainda não conseguiram formular uma proposta eficaz para esse problema urgente.
Se não buscarmos soluções intersetoriais — integrando educação, saúde, esporte e cultura como ferramentas de transformação —, aliadas à implementação do Sistema Nacional de Segurança Pública (com conexão entre todas as forças de segurança, investimento em tecnologia, ciências investigativas e capacitação profissional), à reforma dos códigos penal e civil, à reestruturação de um Judiciário elitista e preconceituoso, e à reforma do sistema carcerário (hoje uma “máquina de moer gente” e uma das maiores indústrias do crime do mundo), continuaremos patinando. As prisões estão superlotadas de pessoas não condenadas ou presas por crimes insignificantes, como pequenos furtos ou posse de drogas, que poderiam cumprir penas alternativas. Não há trabalho remunerado nem qualificação profissional para reinserção social.
Além disso, é preciso enfrentar com maturidade a política de guerra às drogas, copiada dos EUA — onde a indústria armamentista lucra bilhões. Facções como PCC, Comando Vermelho e milícias já atuam em serviços públicos, elegem representantes no Legislativo, infiltram-se no Judiciário e no Executivo, e operam como empregadores formais e informais, dentro e fora do país.
O Brasil legalizou cassinos e jogos de azar online, mas ignora o jogo do bicho — ainda classificado como contravenção, embora seja um conglomerado que inclui milícias, tráfico e crime organizado.
Enquanto assistirmos, em horário nobre, prefeitos, governadores, desembargadores, artistas, bicheiros e políticos em camarotes de desfiles de escola de samba, ficará claro: um projeto de Segurança Social para o povo jamais existirá, e a violência institucionalizada permanecerá como norma.